Desafios da inclusão de pessoas LGBTQIAPN+ refugiadas

A formulação e a implementação de políticas de inclusão voltadas a pessoas LGBTQIAPN+ refugiadas são essenciais para garantir a efetivação dos direitos humanos e o reconhecimento da diversidade nas políticas migratórias e de refúgio.

Historicamente, as normas internacionais que definem quem pode ser considerado uma pessoa em situação de refúgio (como a Convenção Relativa ao Estatuto dos Refugiados de 1951 e o Protocolo de 1967) não mencionavam explicitamente a orientação sexual ou a identidade de gênero como motivos legítimos para a concessão do status de refúgio.

Assim, por muito tempo, pessoas LGBTQIAPN+ perseguidas por motivo de sua sexualidade e/ou identidade/expressão de gênero foram excluídas dos marcos formais de proteção internacional.

Fundamentos legais e evolução do reconhecimento

A partir da década de 1980, o termo “grupo social” presente na Convenção de 1951 passou a ser interpretado de forma mais ampla, incorporando sujeitos e coletividades historicamente vulnerabilizados, como mulheres vítimas de violência de gênero e, posteriormente, pessoas LGBTQIAPN+.

Esse avanço foi reforçado pelas Diretrizes sobre Proteção Internacional do Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR), publicadas em 2002, que reconheceram o gênero e a orientação sexual como dimensões fundamentais na análise das causas de deslocamento forçado.

Ainda assim, o reconhecimento do refúgio com base na perseguição motivada por identidade/expressão de gênero e/ou orientação sexual permanece condicionado à interpretação subjetiva dos órgãos estatais responsáveis por julgar os pedidos, o que mantém o processo permeado por incertezas, constrangimentos e até violações de direitos.

Desafios no pedido de refúgio e após a chegada

Atualmente, a lista de países que aceitam solicitações de refúgio baseadas na orientação sexual e/ou na identidade e expressão de gênero inclui, por exemplo, Alemanha, Argentina, Brasil, Bélgica, Canadá, Dinamarca, Espanha, Estados Unidos, Holanda, Reino Unido e Suécia.

No entanto, cada país estabelece bases específicas para a concessão do refúgio, o que, muitas vezes, pode reproduzir situações de discriminação ou violência. Nos Estados Unidos, por exemplo, é comum que a pessoa solicitante precise comprovar possuir (ou ter possuído) uma visibilidade social individualizada de sua orientação sexual e/ou identidade/expressão de gênero.

Desconsiderando o critério de “grupo social”, não basta, nesse caso, ser LGBTQIAPN+; é preciso parecer LGBTQIAPN+, ou seja, demonstrar características de legibilidade que evidenciem o estereótipo de uma orientação sexual e/ou identidade/expressão de gênero não hegemônicas.

Esse processo é complexo e subordinado a uma várias formas de aprovação institucionais, passando rigorosamente tanto pela fundamentação do temor de perseguição quanto pela comprovação de determinada orientação sexual e/ou identidade de gênero.

Em síntese, as pessoas LGBTQIAPN+ em situação de refúgio enfrentam múltiplos desafios tanto na etapa de deslocamento e solicitação de refúgio quanto após sua chegada ao país de acolhida. 

Mesmo depois da concessão do status de pessoa refugiada, as dificuldades persistem. A ausência de políticas públicas que articulem as dimensões de gênero, sexualidade e migração resulta em um acolhimento ineficaz ou pouco preparado para atender às demandas e necessidades específicas dessa população.

As pessoas LGBTQIAPN+ refugiadas frequentemente enfrentam exclusão social, falta de acesso a emprego formal, moradia digna, saúde e educação. Além disso, podem encontrar barreiras para se inserir em redes locais de apoio LGBTQIAPN+, tanto por questões linguísticas e culturais quanto por discriminações internas baseadas na nacionalidade, religião, raça ou classe social.

Essa sobreposição de vulnerabilidades, marcada por diferentes eixos de opressão (gênero, raça, etnia, classe, religião, idade etc.) evidencia a importância de uma abordagem interseccional nas políticas de diversidade e inclusão.

Políticas públicas e empresariais que funcionam

Políticas públicas específicas são indispensáveis para promover a integração social e o bem-estar dessas pessoas. Tais políticas devem incluir, por exemplo, as seguintes ações:

  • capacitação de profissionais que atuam nos serviços de acolhimento e migração;
  • programas de inserção no mercado de trabalho que respeitem as identidades de gênero e expressão de sexualidade;
  • acesso à saúde integral, incluindo atenção psicossocial e cuidados específicos para pessoas trans ou não-binárias;
  • e iniciativas de fortalecimento de redes de apoio comunitário e institucional.

Além disso, campanhas de sensibilização e educação em direitos humanos são fundamentais para combater a xenofobia, a LGBTQIAPN+fobia e outras formas de discriminação que afetam essa população.

A inclusão efetiva de pessoas LGBTQIAPN+ refugiadas exige, portanto, um compromisso político e ético com a igualdade e a diversidade. Mais do que garantir o direito ao refúgio, é necessário assegurar o direito a uma vida digna, livre de violências e com oportunidades reais de participação social. Reconhecer essas pessoas como sujeitos de direitos – e não apenas como vítimas – é um passo essencial para a construção de sociedades mais justas, solidárias e verdadeiramente inclusivas.

Quais ações concretas podem ser adotadas?

Levando isso em conta, aqui estão algumas ações concretas que empresas podem adotar para incluir pessoas LGBTQIAPN+ em situação de refúgio:

Políticas institucionais e compromisso público

  • Incluir explicitamente pessoas LGBTQIAPN+ refugiadas nas políticas corporativas de diversidade e inclusão, reconhecendo suas vulnerabilidades e necessidades específicas.
  • Firmar compromissos públicos com os direitos humanos e a inclusão dessa população, integrando o tema nas comunicações institucionais e nos relatórios de sustentabilidade (ESG).
  • Adotar uma perspectiva interseccional nas políticas internas, considerando como gênero, raça, etnia, religião e nacionalidade influenciam as experiências dessas pessoas.

Recrutamento inclusivo e acesso ao trabalho

  • Criar programas de empregabilidade específicos para pessoas LGBTQIAPN+ em situação de refúgio, em parceria com ONGs, agências da ONU (como o ACNUR) e organizações locais que atuam com migração e diversidade.
  • Simplificar processos seletivos, evitando exigências que possam excluir pessoas refugiadas (como documentos nacionais que nem sempre possuem ou o domínio de um idioma específico no início da jornada).
  • Usar linguagem inclusiva e acessível em anúncios de vagas e comunicações de recrutamento, destacando o compromisso da empresa com a diversidade e a não discriminação.
  • Oferecer mentoria profissional e programas de integração, apoiando a adaptação cultural, linguística e organizacional de pessoas refugiadas LGBTQIAPN+.

Formação e sensibilização de equipes

  • Promover treinamentos regulares sobre diversidade, migração e interseccionalidade em todos os níveis da organização, com foco nas experiências e desafios das pessoas LGBTQIAPN+ refugiadas.
  • Capacitar lideranças e equipes de RH para lidar com temas relacionados à identidade de gênero, expressão de gênero, orientação sexual e status migratório com empatia e conhecimento técnico.
  • Dar voz às experiências reais, convidando pessoas LGBTQIAPN+ refugiadas ou organizações parceiras para participar das ações de formação e sensibilização.

Ambientes seguros e de pertencimento

  • Garantir um ambiente de trabalho seguro, acolhedor e livre de discriminação, com canais de denúncia acessíveis e confidenciais.
  • Respeitar o uso do nome social e a identidade de gênero em todos os sistemas e comunicações internas.
  • Criar grupos de afinidade (Employee Resource Groups) voltados a pessoas LGBTQIAPN+, com participação aberta a aliades, incluindo também o recorte migratório e de refúgio nas pautas.

Apoio social e comunitário

  • Oferecer suporte psicossocial, interno ou em parceria com instituições especializadas, para lidar com traumas relacionados à migração forçada, discriminação e violências anteriores.
  • Apoiar iniciativas e organizações que atuam com pessoas refugiadas LGBTQIAPN+, por meio de patrocínios, voluntariado corporativo ou programas de responsabilidade social.
  • Estabelecer parcerias com instituições de ensino, ONGs e governos locais para facilitar o acesso a cursos de idioma, formação profissional e regularização de documentos.

Comunicação e advocacy

  • Dar visibilidade às histórias e conquistas de pessoas LGBTQIAPN+ refugiadas que atuam na empresa, reforçando narrativas de protagonismo e superação.
  • Incluir o tema do refúgio LGBTQIAPN+ nas campanhas internas e externas de diversidade, especialmente em datas simbólicas (como o Dia Mundial da Pessoa Refugiada e o Mês do Orgulho LGBTQIAPN+).
  • Atuar como agente de mudança social, inspirando outras empresas e redes empresariais a adotar práticas inclusivas semelhantes.

Se sua organização quer transformar compromisso em prática, a Mosaice apoia você a desenhar políticas e programas de inclusão para pessoas LGBTQIAPN+ refugiadas — do diagnóstico às metas e à implementação com segurança.

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(Ele/Dele) Consultor e Palestrante
Hadriel Theodoro tem formação multidisciplinar em Comunicação, Relações Públicas e Psicanálise, experiência acadêmica premiada e publicação internacional. Atua em RH com foco em talentos, é facilitador de diversidade e voluntário em organizações do terceiro setor.