Neste post, abordaremos o direito à licença-maternidade e licença-paternidade para pessoas LGBT nas empresas, focando nas consequências positivas para os colaboradores e empresas quando a diversidade de modos de existir e as configurações plurais de famílias são respeitadas. É preciso avançar em uma discussão que reveja a lógica heternormativa sobre a qual as relações de trabalho se apoiam e que evidencie a responsabilidade das empresas quanto à garantia de inclusão e equidade.
De início, é preciso afirmar que tratar sobre DI&E (Diversidade, Inclusão e Equidade) nas empresas vai muito além de apenas respeitar cada pessoa como ela é. Claro que sem isso não há espaço para nenhum tipo de mudança no ambiente e cultura empresarial. No entanto, respeito é apenas um primeiro passo que exige o reconhecimento da diversidade junto com o combate às formas de violências que ameacem a dignidade de cada pessoa. Essa exigência colocada pelo respeito ao outro é que pode, de fato, promover a inclusão e equidade nas empresas.
Direito à licença maternidade e paternidade para pessoas LGBT no Brasil hoje
Trazendo para o tema específico deste post, as pessoas LGBT que decidem ter filhos têm direito à licença maternidade e paternidade? Como as empresas podem garantir a garantia de direito a todas as pessoas, independentemente das leis vigentes?
É importante lembrar que as famílias homoafetivas são reconhecidas pela Constituição Federal. Em maio de 2011, o Supremo Tribunal Federal (STF) julgou a ADI n° 4277 e ADPF nº 132, admitindo, por unanimidade, a união homoafetiva como um núcleo familiar como qualquer outro.
Depois disso, avançou-se no entendimento da licença parental para casais homoafetivos com união estável. Antes a licença maternidade (com período de até 180 dias) era concedido apenas a mães (biológicas, adotantes, que sofreram aborto ou tiveram um natimorto), o que já incluía parte dos casais homossexuais femininos. Hoje, conforme a jurisprudência dos tribunais, é estendido também a um dos parceiros do casal homossexual masculino que tenha adotado uma criança por um período de até 180 dias (equivalente à licença-maternidade). Como vemos, essa decisão priva um dos parceiros do casal e impõe ainda uma lógica heteronormativa.
Apesar dos avanços, estamos longe de uma situação de justiça plenamente constituída. Será fácil perceber que essas garantias ainda são insuficientes e não contemplam toda a diversidade de casais e famílias existentes.
Licença-maternidade de mães não-gestantes
No último dia 13 de março de 2024, o STF decidiu reconhecer, de forma unânime, a licença maternidade de mães não-gestantes quando se tratar de união estável homoafetiva. A decisão teve como base o caso de uma servidora municipal de São Bernardo do Campo (SP) que realizou um pedido de licença-maternidade de 120 dias motivado pelo nascimento do filho gerado por “inseminação artificial heteróloga”, isto é, com óvulo da mãe não gestante. A licença foi negada pela administração pública diante da falta de previsão legal. A servidora recorreu à Justiça de São Paulo e ganhou direito à licença, mas em recurso da decisão o caso foi parar no Supremo. Após 5 anos do ocorrido, a tese, de repercussão geral (para outros casos semelhantes), estabelecida pelo STF foi a seguinte:
“A mãe servidora ou trabalhadora não gestante em união homoafetiva tem direito ao gozo de licença maternidade. Caso a companheira tenha utilizado o benefício, fará jus a licença pelo período equivalente ao da licença paternidade [ou seja, 5 dias]“.
Com a repercussão geral, o relator, ministro Luiz Fux, reconheceu que é necessário ampliar o entendimento também para funcionárias do setor privado.
A decisão amplia os direitos da comunidade LGBT nas relações de trabalho, mas é preciso reconhecer que avança de maneira muito tímida, podendo produzir na prática outras situações de injustiça. Basta pensarmos que nessa situação apenas uma das mães terá direito à licença-maternidade, enquanto a outra mãe apenas poderá ter o direito garantido da licença-paternidade. A decisão, portanto, opera com uma base heteronormativa que reproduz papeis de gêneros binários. Esse aspecto, inclusive, foi alvo de discussão do STF quando o ministro Alexandre de Moraes abriu divergência com o relator, defendendo a concessão de duas licenças em união homoafetiva de mulheres ao declarar: “Estamos replicando o modelo tradicional em outra forma de família. […] A partir do momento que aceitam união estável homoafetiva, as duas são mães. Se as duas são mães, as duas têm direito”.
Cenário de incertezas em outras configurações de família
Isso significa na prática que nem todas as mulheres LGBT têm ainda seu direito à licença-maternidade plenamente garantido. E ainda, nem todas as pessoas LGBT têm esse direito garantido.
No caso das mulheres é importante salientar também que no Brasil não há uma legislação específica que garanta às mulheres trans o direito à licença-maternidade em caso de adoção ou gestação por meio de técnicas de reprodução assistida, exigindo a apreciação de cada caso, o que dá margem a inúmeras arbitrariedades.
Poderíamos pensar ainda em outras composições de famílias que também não têm ainda esse direito assegurado: Homens trans que geraram filhos teriam direito apenas à licença paternidade (de 5 dias)? E em caso desse homem trans gestante tiver como companheira uma mulher trans, apenas uma pessoa terá direito à licença à maternidade? E em caso de adoção monoparental movidas por homens-trans? Ou ainda, mulheres trans que adotam (e amamentam) junto com suas parceiras?
Como sua empresa pode ajudar ?
O fato é que sobre essa infinidade de possibilidades pesa uma forte lógica econômica. Muitas pessoas LGBT esbarram na dificuldade em negociar diretamente com as empresas privadas por receio de que o INSS não garanta as despesas do auxílio-maternidade, incorrendo em custos para a própria empresa. Por isso, é comum que a parte empregadora conceda o benefício apenas mediante decisão da justiça ou tente, em acordo, oferecer apenas a licença-paternidade.
Daí a afirmação inicial neste post, volto a dizer: o elemento fundamental que envolve o respeito às pessoas LGBT não é suficiente para garantir inclusão e equidade. Se não há um avanço para além de uma lógica heternormativa que reconheça as necessidades específicas das pessoas LGBT na construção de uma multiplicidade de famílias, pouco se consegue em termos de ações efetivas. Junto a isso, se o critério para decisão nas empresas é apenas econômico, certamente teremos formas violentas de injustiça sendo cometidas e que podem provocar sérios danos aos colaboradores, impedindo o efetivo exercício de suas funções, além é claro, de implicar em um apagamento da vida e dignidade dessas pessoas.
É comum resultar nessas situações baixo rendimento dos colaboradores, quadros de stress, depressão, levando a pedidos de afastamento ou desligamento das empresas, gerando prejuízos, muito além do financeiro, para os colaboradores e para as empresas. Isso foi o que ocorreu, inclusive, no caso mencionado aqui, julgado pelo STF. É possível perceber os efeitos negativos na relação de trabalho no relato das mães.
Com isso, chamamos atenção para que, mesmo em casos ainda não previstos em lei, as empresas possam assumir o compromisso de garantir relações de trabalho justas para seus colaboradores e colaboradoras, cumprindo o papel de engajamento social que não dependa de uma imposição legalista. Esse engajamento passa por realizar ações e práticas que promovam inclusão e equidade, tais como:
- Elaborar e implementar políticas de diversidade que caminhem para a aplicação da licença parental, independentemente de sexo e gênero. Incentiva-se, assim, que todos os colaboradores e colaboradoras, sejam cisgênero, transgênero ou não- binários, tenham direito ao período máximo de licença parental;
- Promover treinamentos para os colaboradores e gestores sobre diversidade, inclusão e sensibilidade de gênero como uma importante ferramenta para a promoção da DI&E, diagnosticando as necessidades e desafios a serem enfrentados;
- Realizar monitoramento e avaliação regular das políticas de licença parental e auxílio familiar para garantir que estejam sendo implementadas de forma eficaz e que todas as pessoas na empresa estão sendo tratadas de maneira justa e igualitária.
Quais benefícios a garantia de direitos pode trazer para o ambiente de trabalho?
Não há dúvidas de que empresas engajadas na promoção de direitos dos seus colaboradores usufruirão de uma série de benefícios, como:
- Melhora na produtividade e engajamento dos colaboradores: Ao garantir direitos como licença maternidade e paternidade para pessoas LGBT+ e outras configurações familiares, as empresas demonstram comprometimento com a diversidade, inclusão e equidade, promovendo um ambiente de trabalho mais acolhedor e produtivo.
- Atração e retenção de talentos: Empresas que adotam políticas inclusivas tendem a atrair talentos diversos, incluindo pessoas LGBT+ que valorizam o respeito aos seus direitos e identidades de gênero. Além disso, a garantia de licença parental para todos os tipos de famílias pode contribuir para a retenção de funcionários qualificados.
- Imagem positiva da empresa: Empresas que se posicionam a favor da diversidade e inclusão ganham uma imagem mais positiva perante o público, clientes e investidores. Isso pode fortalecer a reputação da marca e aumentar a fidelidade dos consumidores.
- Redução do absenteísmo e turnover: Ao oferecer licenças adequadas para todas as configurações familiares, as empresas podem reduzir o absenteísmo relacionado a questões familiares e também o turnover, já que os funcionários se sentirão mais apoiados e valorizados pela empresa.
- Criação de um ambiente de trabalho mais inclusivo: Ao implementar políticas de diversidade e inclusão, as empresas promovem um ambiente de trabalho mais respeitoso e acolhedor para todos os colaboradores, independentemente de sua orientação sexual, identidade de gênero ou configuração familiar.
- Redução de litígios e custos legais: Garantir os direitos dos trabalhadores desde o início pode ajudar a evitar processos judiciais relacionados à discriminação ou negação de direitos, o que pode resultar em economia de custos legais e reputacionais para a empresa.
- Fomento da inovação e criatividade: Ambientes de trabalho inclusivos tendem a ser mais diversificados, o que pode promover a troca de ideias e experiências entre os colaboradores, estimulando a inovação e a criatividade dentro da empresa.
- Alinhamento com valores éticos e sociais: Empresas que se comprometem com a garantia de direitos dos trabalhadores demonstram um compromisso ético e social com a comunidade em que estão inseridas, o que pode fortalecer sua posição no mercado e entre os stakeholders.
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