Vieses inconscientes nas empresas: o que são e como superá-los?

Feche os olhos e imagine um profissional bem sucedido. É bem provável que você tenha pensado em um homem branco e não em uma mulher negra, não é mesmo? Em um processo seletivo em que os avaliadores são todos brancos, por mais bem intencionados que sejam, é comum que candidatos também brancos sejam os favoritos, não é verdade? Isso se deve aos chamados vieses inconscientes: padrões mentais sistemáticos que guiam nossas ações e pensamentos, a despeito da nossa racionalidade, ditando preferências e preconceitos.

O viés inconsciente é uma reação automática que temos com relação ao outro fazendo com que, a partir de estereótipos, nosso entendimento, nossas ações e nossas tomadas de decisões sejam impactadas negativamente. Nossa mente nem sempre trabalha de forma lógica e associações inconscientes muitas vezes levam a decisões discriminatórias

A ideia de que guardamos preconceitos mesmo que contra nossa vontade causa muita resistência, pois é difícil admitir que por mais que tentemos pautar nossas ações pela equidade, existem discriminações que ocorrem sem intenção. Essa é uma chave fundamental para entender os desafios de políticas públicas e institucionais de inclusão e diversidade.

Ter consciência desses fatores inconscientes é fundamental quando falamos de diversidade, equidade e inclusão nas empresas, pois temos construções sociais tão arraigadas em nossa mente que, muitas vezes, não basta a boa vontade e belas normas no papel. Temos que ir além para efetivamente incluir grupos minorizados e combater a discriminação de gênero, de classe, étnico-racial, de orientação sexual, de idade, de pessoas com deficiência, dentre outras. 

O primeiro passo para combater esses tipos de comportamento discriminatório não-intencional e minimizar os seus efeitos é saber o que são e refletir sobre aqueles que carregamos.

O que são vieses inconscientes?

O tema dos vieses inconscientes (unconscious bias ou implicit bias, na nomenclatura em inglês) tem ganhado espaço nos debates mais aprofundados sobre inclusão. 

Tratam-se de preconceitos que carregamos baseados em nossa experiência social com relação a estereótipos de gênero, raça, classe, idade, orientação sexual, aparência etc. Esses estereótipos socialmente construídos são tão arraigados que se expressam como ações e julgamentos automáticos, sem maior reflexão.

Essas crenças e preferências são moldadas por muitos fatores, dentre eles o nível educacional, o contexto familiar e geográfico, a idade, o gênero, a orientação sexual e a religião.

O que diz a ciência?

O conceito foi criado em 1995 pelos psicólogos Mahzarin Banaji e Anthony Greenwald em estudo sobre como o comportamento social frequentemente opera de forma implícita ou inconsciente. Os autores, buscando entender porque mesmo pessoas que desaprovam o preconceito realizam atos discriminatórios, concluíram que as experiências passadas do sujeito afetam o julgamento de uma forma não percebida pelos autores.

Vale lembrar que as ideias de consciente e inconsciente são a base de muitas das discussões na psicologia. Enquanto Sigmund Freud foi um dos primeiros a propor a existência de um elemento inconsciente na mente, moldado por conflitos que se desenrolam durante o desenvolvimento do sujeito, Carl Jung, ressaltou o papel do inconsciente coletivo, entendido como memórias e impulsos inconscientes compartilhados pela humanidade e herdados do cérebro primitivo.

Também a neurociência busca explicar os vieses inconscientes a partir dos mecanismos do cérebro que resultam da organização da própria mente a partir de experiências vividas mas também das nossas heranças ancestrais.

A ciência revela que nosso cérebro foi programado para construir generalizações e fazer associações automáticas, ditando nosso comportamento em situações específicas. É uma espécie de instinto que foi desenvolvido para gerar rapidez nas respostas, o que foi importante na evolução da espécie para nossa sobrevivência. Contudo, nas sociedades complexas em que vivemos hoje, esse mecanismo pode levar a respostas inadequadas, mas que podem ser evitadas.

É, portanto, da natureza humana sermos perpassados por esses vieses. Se não podemos evitá-los, podemos trazê-los à nossa consciência para identificar no nosso dia-a-dia raciocínios em que esses preconceitos determinam nossas atitudes e refletir sobre eles. 

Como se manifestam no ambiente de trabalho?

Costumamos dizer que não basta que haja diversidade na empresa (pluralidade de indivíduos diferentes), temos que buscar efetiva inclusão (criação de ambientes nos quais essas pessoas possam sentir-se parte e prosperar) e equidade (garantia de tratamentos diferenciados positivos a cada grupo minorizado que promovam igualdade de condições).

Os vieses inconscientes afetam todas as nossas relações sociais e representam um obstáculo na efetivação de políticas de inclusão. No campo do trabalho, os vieses afetam as dinâmicas sociais no acesso ao mercado e às oportunidades profissionais, bem como na dinâmica de trabalho e oportunidades de crescimento na empresa.

Os preconceitos e preferências perpassam os processos de recrutamento e seleção, retenção da força de trabalho, promoções, liderança, desenvolvimento de pessoal, atendimento ao cliente e avaliação de desempenho nas organizações.

A partir de estereótipos, generalizamos indivíduos pertencentes a determinados grupos e ignoramos os atributos individuais daquela pessoa. Um exemplo é quando se deixa de colocar um homem em determinada posição da empresa que exige atributos normalmente associados ao estereótipo feminino, como o cuidado ou a sensibilidade.

A questão da aparência também fala alto, o que dá origem a pensamentos como “fulano não causa boa impressão por causa da forma como se veste e, portanto, não deve ser levado à reunião com o cliente”.

Um dos principais vieses no mundo corporativo diz respeito aos julgamentos feitos contra as mulheres que se tornam mães e a crença de que isso afeta sua produtividade e comprometimento. Esse viés se expressa na preterição de mães na atribuição de determinadas tarefas ou em promoções. Um exemplo é presumir que a funcionária não vai querer fazer uma viagem profissional por não ter com quem deixar a criança.

Você consegue pensar em situações discriminatórias que viveu ou que perpetrou no ambiente de trabalho?

Cinco tipos de vieses

Fica mais fácil entender como os vieses inconscientes se manifestam a partir das tipificações que trazemos abaixo:

  1. Viés de afinidade

É a tendência de avaliar positivamente aquilo com o que nos identificamos, seja na aparência, modo de se vestir, formação, atitude etc. Nos conectamos mais facilmente com pessoas que compartilham dos mesmos interesses que a gente.

Nesse sentido, é mais provável que recrutadores contratem pessoas com um perfil mais semelhante ao seu próprio ou que gestores promovam o colaborador que mais se assemelha a ele no tipo de liderança, ao invés de analisar todas as informações necessárias a uma tomada de decisão.

  1. Viés de percepção

Ocorre quando tratamos outras pessoas em função de estereótipos sobre o grupo a que pertencem, reforçando-os. Por exemplo, deixando de contratar uma pessoa com piercings e tatuagens aparentes.

  1. Viés confirmatório

Nos valemos do viés confirmatório quando buscamos informações que confirmem nossas hipóteses iniciais e ignoramos informações que questionem nossas crenças. Tendemos a dar mais importância a dados que estão de acordo com nossas crenças, ignorando os que não as reforçam.

  1. Efeito de auréola (halo)

É a propensão que temos de, a partir de um só dado que nos seja positivo, sermos dispostos a avaliar positivamente o restante das informações, mesmo que não o sejam. Ocorre quando tendemos a eleger uma única característica de um grupo de pessoas que a torna automaticamente preferível a outro grupo, sem levar em consideração outros elementos.

Um exemplo é a tendência de termos mais empatia por pessoas que tenham estudado na mesma universidade que a gente, não levando em consideração outros elementos que poderiam levar a uma opinião mais completa sobre o indivíduo. 

  1. Efeito de grupo

É a tendência que o indivíduo tem de seguir o comportamento do grupo para não desviar do padrão vigente. Isso é extremamente comum e problemático dentro de uma empresa.

Nesse sentido, não basta trazer indivíduos pertencentes a grupos minorizados a uma determinada posição na empresa se, isolado, este será coagido a preservar a cultura de seus pares. É por isso que espaços muito diversos são desejáveis

Como combater vieses inconscientes

Para minimizar os efeitos dos vieses inconscientes e enfrentar muitos dos obstáculos da efetiva implementação de uma política de diversidade, equidade e inclusão, o primeiro passo é ter consciência de que não existe pessoa sem viés e tampouco escolha imparcial. A partir daí podemos pensar criticamente em nossas atitudes e repensar escolhas, garantindo verdadeira mudança cultural da empresa e da sociedade em geral. 

Trata-se de um exercício e um processo de educação, que pode ser impulsionado por treinamentos e capacitações. O mundo corporativo tem se preocupado com esse assunto e empresas como PwC Brasil, Unilever, Nestlé, Microsoft, Accenture, por exemplo, promovem internamente treinamentos específicos sobre o tema.

Além disso, existem Testes de Associação Implícita (TAI), que podem ser aplicados a sócios e gestores, lideranças e demais funcionários e colaboradores da empresa para que cada um tenha consciência dos vieses que perpassam suas escolhas e passem a refletir sobre elas.

A diversidade na empresa é fundamental, pois representa o enriquecimento do ambiente o que, segundo a ciência, pode levar ao aumento da plasticidade neuronal e à formação de novas conexões cerebrais, mudando nossas predisposições.

Sendo assim, para um ambiente de trabalho realmente diverso e inclusivo é necessário um exercício constante de autorreflexão e análise crítica do próprio comportamento. Tornar consciente o inconsciente é fundamental no processo de contínuo aprendizado e faz parte das ferramentas necessárias para lidar com as diferenças e se abrir para o novo.

Precisamos sair do pensamento automático, desafiar o status quo, sair da zona de conforto e fazer conexões com o diferente.

Para aprofundar sobre o tema dos vieses inconscientes e buscar reflexões em sua empresa, entre em contato com a Mosaice e saiba mais sobre nossa consultoria!

(Ela/Dela) Consultora e Palestrante
Mestra em Direito Penal pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e bacharela em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Júlia também possui formação complementar pela Université de Lille, na França. É autora do livro UPPs: Governo Militarizado e a Ideia de Pacificação.