Redes de apoio e produtividade materna

Recentemente, finalizei minha tese de doutorado. Enquanto escrevia os agradecimentos, relembrei os quatro anos de trabalho de pesquisa que levaram ao texto entregue para a banca. Essa história está misturada com a gestação da minha primeira filha e todos os desafios que tive para conciliar o cuidado com a bebê, que chegou no meu segundo ano de estudos, e a manutenção do meu objetivo: tornar-me doutora em Ciência Política.

Desafios para conciliar pesquisa acadêmica e maternidade

Apenas em 2017, o Congresso Nacional reconheceu a licença maternidade para bolsas de estudo concedidas por agências de fomento à pesquisa. Antes da Lei nº 13.536/2017, a chegada dos filhos era equiparada a doenças e levava à suspensão das bolsas. Felizmente, pude ter quatro meses de licença, garantindo igual período com manutenção de pagamento. Porém, a duração da licença maternidade, que é equivalente ao regime da CLT, é pequena.

E um novo marco legislativo veio logo depois da entrega da minha tese para a banca: a Lei nº 14.925 de 2024 foi sancionada, garantindo a prorrogação dos cursos de graduação e pós-graduação por 180 dias, no mínimo. 

Vale lembrar que as mulheres são minoria entre os docentes de ensino superior (42,54%), apesar de serem maioria nos cursos de pós-graduação (54,54%), segundo dados da CAPES. Já no topo da carreira, elas representam apenas 36% de pesquisadores que recebem bolsa produtividade do CNPq.

Com o fim da licença veio o primeiro desafio: conciliar as tarefas da pesquisa com a amamentação e os cuidados intensos que uma bebê requer. Lembro-me de tentar decifrar um livro sobre política econômica brasileira em meio aos choros da minha filha. Nessa época, dividia a escala de cuidados com meu marido e minha mãe, garantindo a amamentação exclusiva até os seis meses. 

A história de sucesso que quero compartilhar, que terminei a tese, é permeada por falhas, inseguranças e perda de produtividade. Não quero me exceder nos detalhes do quão sofrido foi buscar o apoio de uma escolinha, quando percebi que precisava de mais horas de trabalho. Nem do quanto eu fiquei doente devido à privação de sono e às viroses vindas da creche. Também não quero esquecer do quanto me aliviava ao terminar um dia bem produtivo e, finalmente, poder encontrar com minha pequena. 

A importância de uma rede de apoio dentro e fora do ambiente familiar

Quero frisar uma coisa simples e potente: para que mães ou pais recém chegados possam manter a produtividade, é necessário muita ajuda. É o que é repetidamente chamado de rede de apoio. Ela pode ter vários formatos, porque pode ser tecida de diversas formas. Mas em torno de um bebê, o ideal é que se proliferem diversos nós para sustentá-lo. E, também, para sustentar seu núcleo de cuidadores. 

Infelizmente, nem todo mundo consegue ter essa rede, o que torna as coisas ainda mais árduas. Mesmo assim, não enxergar todo o trabalho de cuidado – que pode ser remunerado ou não – que existe em torno de um bebê pode ser bastante prejudicial. E, aqui, vou falar só de dois efeitos disso.

O primeiro é reforçar a sobrecarga dos trabalhos de cuidado femininos. Como em uma profecia autorrealizável, a expectativa da sociedade de que as mães se responsabilizem mais pelo cuidado dos filhos pode fazer com que elas não recebam o apoio necessário e produzam menos.

A exaustão materna é uma realidade e a sobrecarga das mulheres também. Segundo o IBGE, as mulheres despendem 21,4 horas semanais para afazeres domésticos, quase o dobro dos homens, que ocupam 11 horas da semana com tais atividades. Além disso, 40% das mulheres pardas e pretas realizam o cuidado de pessoas, enquanto que, entre as brancas, a taxa é de 33,5%.

O segundo efeito é que as carreiras das mães são mais impactadas do que a dos pais em casais heterossexuais após a chegada de um filho. Segundo estudo da FGV, após 2 anos, quase metade das mulheres que tiram licença-maternidade está fora do mercado de trabalho formal, um padrão que se perpetua por 4 anos após a licença.

Os benefícios de ambientes de trabalho inclusivos

Um ambiente de trabalho adaptado à realidade das novas mães e dos novos pais pode atuar como mais um nó na rede de apoio – e ser beneficiado por isso. Segundo estudo da McKinsey, as empresas comprometidas com a equidade têm maior retenção de funcionários – inclusive independente do gênero.

Afinal, em locais com políticas de inclusão à parentalidade, seus profissionais podem ter dinâmicas de trabalho mais ajustadas a suas novas realidades e garantir a produção esperada. 

Tudo pode parecer caótico para quem vê um bebê chegar, mas logo ele cresce. Em determinados momentos, eu achei que seria impossível terminar minha tese. Mas estou aqui, vendo minha filha se aproximar dos três anos, extremamente grata por ter tido um ambiente de trabalho que permitiu os ajustes necessários para que eu conseguisse continuar produzindo. E por toda a rede de apoio que construí ao longo desses anos para poder conciliar o trabalho e o cuidado. 

Na Mosaice, trabalhamos com as empresas para a criação e ampliação de políticas e práticas inclusivas. Ao criar um ambiente de trabalho mais saudável e com flexibilidade para atender as necessidades de mães e pais, os colaboradores se sentem mais valorizados e amparados, o que beneficia as empresas, seus funcionários e toda a sociedade.

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(Ela/Dela) Consultora e palestrante
Letícia é mãe-doutoranda e mestre em Ciência Política pela UFMG, onde também se graduou em Direito. Transformar pesquisas em ações práticas para a justiça social movem sua trajetória. Desde 2020, tem sua empresa de Pesquisa e Advocacy. Atua com a inclusão de mães no mercado de trabalho. Também desenvolve projetos voltados para a mobilidade urbana, gênero, raça e sustentabilidade, como medidas para o combate ao assédio no transporte público. Foi Coordenadora de Políticas Públicas do Instituto Nossa BH e professora de Direito na PUC Minas.