Cotas raciais no Poder Judiciário: O caminho para a equidade

Quando você pensa em uma pessoa no cargo de juiz ou juíza, quais características físicas surgem em sua mente? Se a imagem visualizada for de uma pessoa branca, você não está sozinho. Isso reflete a falta de diversidade racial no Poder Judiciário, algo que afeta tanto nosso imaginário quanto a realidade que vivemos.

A baixa representatividade de pessoas negras nessa esfera impede que possamos sonhar com um Judiciário verdadeiramente plural e inclusivo.

De acordo com o Diagnóstico Étnico-Racial do Poder Judiciário, realizado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) em 2023, os(as) magistrados(as) compõem uma maioria branca de 83,9% e apenas 14,5% dos(as) magistrados(as) se identificam como negros(as), sendo 1,7% pretos(as) e 12,8% pardos(as).

A maioria dos(as) servidores(as) também é composta de pessoas brancas, um total de 68,3%. Apenas 29,1% responderam que são negras, das quais 4,6% pretas e 24,5% pardas. E mais: dentre os(as) estagiários(as), também há uma maioria branca: 56,9%. Neste grupo, as pessoas negras somam 41%, sendo 10,3% pretas e 30,7% pardas.

Neste texto, vamos discutir os dados alarmantes sobre a presença de negros e negras no Judiciário brasileiro, analisar a eficácia das cotas raciais e das ações afirmativas, e refletir sobre os desafios enfrentados na implementação dessas políticas.

Ações afirmativas e cotas raciais: Entenda as diferenças

Para abordar o tema de cotas raciais no Judiciário, é essencial compreender a diferença entre ações afirmativas e cotas raciais. Esses termos, muitas vezes usados como sinônimos, têm finalidades distintas e complementares.

  • Ações afirmativas:

As ações afirmativas são políticas, tanto públicas quanto privadas, que visam promover a igualdade de oportunidades para grupos historicamente marginalizados, como negros, mulheres e pessoas com deficiência. Essas políticas permitem a adoção de diversas medidas, como programas de treinamento, incentivos financeiros e campanhas de conscientização, com o objetivo de reduzir as desigualdades sociais e garantir acesso equitativo à educação, ao emprego e a outras áreas.

Essas ações buscam alcançar a igualdade material, reconhecendo que a igualdade formal — ou seja, a igualdade perante a lei — não é suficiente para corrigir as desigualdades estruturais. Portanto, as ações afirmativas são uma forma de discriminação positiva, destinadas a compensar desvantagens históricas por meio de intervenções específicas.

  • Cotas raciais:

As cotas raciais são uma forma específica de ação afirmativa que reserva um percentual de vagas em instituições de ensino e no serviço público para pessoas que se autodeclaram negras, pardas ou indígenas. Elas funcionam como um mecanismo mais direto e quantitativo para garantir a representatividade de grupos racialmente sub-representados, enquanto as ações afirmativas abrangem uma gama mais ampla de estratégias para combater a discriminação e promover a igualdade.

Em resumo, as ações afirmativas buscam promover a igualdade de oportunidades de forma mais abrangente, por meio de diferentes políticas e programas. As cotas raciais, por outro lado, concentram-se na reserva de vagas para grupos específicos, assegurando o acesso a uma porcentagem determinada de posições.

Como funcionam as cotas raciais no Poder Judiciário

Historicamente, a presença de juízes e juízas negros(as) sempre foi limitada. Desde a fundação do Supremo Tribunal Federal (STF), apenas três homens negros ocuparam cadeiras e nenhuma mulher negra chegou à Suprema Corte. Em resposta a essa desigualdade, a Resolução CNJ n. 203 de 2015 instituiu a política de cotas raciais, reservando 20% das vagas para negros(as) nos concursos públicos para cargos efetivos e de ingresso na magistratura.

Entretanto, ao analisar os dados do Diagnóstico Étnico-Racial do Poder Judiciário de 2023, observa-se que apenas 0,5% dos magistrados ativos foram aprovados pelo regime de cotas raciais. Entre os empossados a partir de 2016, ano seguinte à edição da Resolução 203/2015, esse percentual é de apenas 3,5%, números muito inferiores à cota de 20% estipulada. Da mesma forma, entre os servidores, apenas 0,9% indicaram ter sido aprovados pelo regime de cotas raciais, e entre os que ingressaram a partir de 2015, o percentual é de apenas 6,3%.

Também se verifica um grande número de tribunais com déficit no cumprimento das cotas, tanto entre magistrados quanto servidores e estagiários, sendo o maior déficit na magistratura. Entre os magistrados, 42 tribunais apresentaram déficit, 14 atingiram a equivalência, e 4 não forneceram a informação. 

O mais preocupante é que, ao longo de 10 anos, o CNJ realizou cinco estudos diferentes para mensurar o nível de equidade na magistratura, e todos chegaram à mesma conclusão: falta de equivalência. Mesmo com metodologias distintas que dificultam comparações históricas, os diagnósticos deixam claro que quase não houve avanços significativos.

Desafios na implementação de cotas no Judiciário

Tudo isso evidencia que ainda há um longo caminho a ser percorrido para que as cotas raciais sejam efetivamente implementadas e tragam mais representatividade ao Judiciário. Um dos principais desafios é o racismo institucional que ainda persiste. Muitos juízes negros enfrentam situações de discriminação, sendo confundidos com assessores ou impedidos de acessar estacionamentos reservados a magistrados. Isso demonstra a falta de sensibilidade do sistema em relação às questões raciais.

Outro desafio é o acesso limitado da população negra a uma educação de qualidade, o que dificulta sua entrada no Judiciário, mesmo com ações afirmativas e cotas raciais. É essencial investir em educação desde a base para criar condições reais de igualdade.

Pacto Nacional do Judiciário pela Equidade Racial

Em 2023, o CNJ lançou o Pacto Nacional do Judiciário pela Equidade Racial, uma iniciativa ambiciosa que visa implementar programas, projetos e ações em todos os ramos da Justiça, buscando combater e corrigir as desigualdades raciais por meio de medidas afirmativas, compensatórias e reparatórias. O objetivo é eliminar o racismo estrutural no âmbito do Poder Judiciário, promovendo uma cultura de equidade racial.

Conforme informações do CNJ, o Pacto tem como propósito central fortalecer essa cultura por meio de ações conscientes, intencionais e responsáveis, com foco na desarticulação do racismo estrutural. As medidas visam garantir a representação e o desenvolvimento de grupos raciais historicamente privados de condições de igualdade de oportunidades.

Diante dos dados que mostram poucos avanços nos últimos 10 anos em relação à política de cotas raciais, que estipula que 20% das vagas em concursos públicos para cargos efetivos e na magistratura sejam reservadas para pessoas negras, a pergunta que se impõe é: veremos, de fato, um comprometimento real do Judiciário com a promoção da igualdade racial? Ou continuaremos com resoluções e regulamentações que, na prática, não têm força suficiente para transformar as estruturas?

É preciso uma intencionalidade concreta para que os objetivos do Pacto e da Resolução 203/2015 se concretizem, permitindo que a presença de juízes e juízas negras seja uma realidade comum e tangível.

Entendendo a importância dessa intencionalidade, a Mosaice oferece uma consultoria voltada especificamente para as demandas do Judiciário brasileiro, alinhada aos objetivos do Pacto Nacional pela Equidade Racial. Desenvolvemos cursos, palestras, cartilhas e atividades lúdicas para promover mudanças reais dentro das instituições.

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Consultora e palestrante
Advogada com 10 anos de atuação, Emaniele é pós-graduada em Direito e Processo Tributário pela Faculdade CERS e bacharel em Direito pela Universidade Estadual do Piauí (UESPI). Possui MBA em andamento em ESG – Sustentabilidade, Social e Governança Corporativa pelo IPOG. Sua abordagem em Diversidade e Inclusão tem centralidade nas temáticas de gênero e raça. Atua Consultora autônoma de gestão em escritórios de advocacia.