Ninguém gosta de trânsito, essa é uma verdade. Mas as experiências no trânsito são bastante diferentes, a depender do modo de transporte que você utiliza, as distâncias que irá percorrer e os gastos que tem com isso. Mulheres usam mais o transporte público do que homens, e, segundo o IBGE, pessoas que ganham até 6 salários-mínimos gastam mais de sua renda com transporte público do que quem ganha acima disso.
Esse tema tem ganhado cada vez mais relevância nos debates corporativos. O home office, o ganho de centralidade da sustentabilidade ambiental e os altos gastos de tempo e dinheiro com transporte têm feito as empresas repensarem seu papel na mobilidade da cidade.
Fato é que, se pensarmos de maneira mais profunda, a mobilidade corporativa e a gestão de demanda de viagens são instrumentos que podem auxiliar na redução das desigualdades nas cidades, promover melhores ambientes de trabalho e reter talentos nas companhias – afinal, todos estamos em busca de qualidade de vida.
A centralidade do transporte público no deslocamento casa-trabalho
Para começar, é necessário frisar que o transporte público de qualidade é a maneira mais eficiente de transportar as pessoas até seus locais de trabalho, considerando tanto a quantidade de pessoas transportada em um veículo, quanto as emissões de gases de efeito estufa.
Uma viagem média por meio de automóvel individual chega a emitir 2,15 vezes mais poluentes de efeito estufa do que o transporte público coletivo, segundo a Associação Nacional de Transportes Públicos (ANTP). Porém, a falta de políticas públicas para a qualidade do transporte coletivo e os altos preços de tarifa têm levado a uma precarização sistêmica da oferta de ônibus, metrôs e trens urbanos no Brasil.
Em 2018, pesquisa do IBGE apontou que, pela primeira vez, as famílias brasileiras gastam mais com transporte do que com alimentação. Em média, o gasto com transporte foi de 18,1% dos rendimentos mensais e, com alimentação, foi de 17,5%. Eles perdem apenas para os 36,6% destinados para a habitação. Ainda que as famílias com maiores rendimentos gastem mais com compra de veículos e gasolina, todas as faixas de renda têm gastos superiores nesses itens do que com transporte público urbano.
Isso é efeito de outra tendência que tem ocorrido nas cidades brasileiras: o aumento da frota de automóveis e a perda de passageiros do transporte público urbano. Segundo o já citado estudo da ANTP, também em 2018, o transporte individual motorizado representava a maior proporção de viagens no Brasil: 30% das viagens eram feitas de carro ou moto, enquanto 28% eram feitas por meio de transporte coletivo. O tempo médio de viagem no transporte coletivo era de 44 minutos, enquanto o de automóvel individual era de 23 minutos. E a pé ou de bicicleta, os brasileiros gastaram, em média, 19 minutos por viagem.
Ou seja, as famílias brasileiras têm tido cada vez mais gastos para conseguirem se transportar. E esse deslocamento ocorre em medida significativa para o trabalho: segundo levantamento da Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos (NTU) e a Confederação Nacional do Transporte (CNT), mais da metade (53,3%) dos deslocamentos no país ocorre no contexto do trabalho.
Deixando cada vez mais de lado o transporte público e com a multiplicação de tipos de vínculo de trabalho, o vale transporte perde sua eficácia para garantir que os colaboradores cheguem até seu local de trabalho. Não há dúvidas, portanto, de que as empresas precisam se adaptar a esse novo cenário de mais trânsito e mais custos para seus colaboradores, o que pode significar mais estresse e pior rendimento.
E como a mobilidade corporativa pode atuar nisso?
A mobilidade corporativa ainda é um conceito novo no Brasil, mas organizações estão começando a implementá-la. Ela envolve o pensamento estratégico das empresas em planejar, organizar e criar ações para promover padrões de deslocamento que sejam mais sustentáveis ambiental e economicamente para seus colaboradores e para as cidades.
Estudo recente da Arval Mobility Observatory levantou a avaliação de 2900 colaboradores de 6 países europeus a respeito das práticas e expectativas quanto à oferta de mobilidade pelas empresas. Ainda que seja uma pesquisa em países com perfil socioeconômico distinto, ela traz alguns insights que podem ser aproveitados para nossa realidade, especialmente após a pandemia de Covid-19.
O estudo aponta que os colaboradores têm alta expectativa de apoio em seus deslocamentos para o trabalho. 72% esperam ter cobertura de custos parcial no transporte público e 76% no pagamento de combustível. E a oferta de mobilidade pela companhia aumenta a atratividade das empresas: 66% consideram isso um fator importante. Esse valor aumenta para 76% quando se trata de colaboradores que planejam deixar seu posto de trabalho nos próximos 6 meses.
Assim, a Gestão da Demanda de Viagens (GDV, ou em inglês Transport Demand Management, TDM) tem ganhado relevância no planejamento e na cultura organizacional das empresas. A GDV foca em compreender como as pessoas decidem se deslocar e influenciar nessas decisões. Em uma empresa, isso pode envolver usar a infraestrutura de forma mais eficiente, criar incentivos para o uso do transporte público e modos ativos (bicicleta e a pé) e, mesmo, reduzir os deslocamentos.
Para realizar a GDV, o contexto de cada companhia é importante. Isso envolve tanto conhecer a quantidade e perfil de seus colaboradores, a atividade realizada, as dimensões dos deslocamentos e os principais objetivos da empresa. Assim, não se trata de uma fórmula mágica, mas de instrumento utilizado para o planejamento de curto, médio e longo prazos das empresas e que podem ter retornos significativos no ambiente produtivo.
Princípios que guiam a Gestão da Demanda de Viagens
Podemos listar alguns princípios que guiam a Gestão da Demanda de Viagens, considerando os objetivos de diminuir as desigualdades no acesso ao trabalho e seus impactos na renda e no meio ambiente.
- Redução de custos e de emissões de gases de efeito estufa
Como vimos, os automóveis são caros e têm impactado cada vez mais os orçamentos das famílias. Além disso, o carro é o vilão das emissões de gases de efeito estufa na cidade. O GDV deve pensar em medidas adequadas para seu perfil de colaboradores para incentivar que o carro fique na garagem.
O incentivo a caronas, fretamento de vans e ônibus, políticas de custeio do uso do transporte público para além do vale-transporte e o home office podem reduzir a pegada de carbono dos deslocamentos ao trabalho. O escalonamento da jornada de trabalho também é um incentivo para uso do transporte público, que costuma ser mais rápido e confortável nos horários fora-pico.
- Aumento dos modos ativos de deslocamento
Os deslocamentos a pé e de bicicleta não emitem gases de efeito estufa e podem ser alternativas para quem mora mais perto do trabalho ou para a integração entre modos de transporte – como ir de bicicleta até a casa do colega que irá te dar carona ou até as estações de transporte público. A falta de infraestrutura nas empresas, contudo, são barreiras para o deslocamento por bicicleta dos colaboradores.
O investimento em infraestrutura local, especialmente banheiros, armários e bicicletários são medidas que as empresas podem fazer para incentivar os modos ativos de deslocamento. Criar programas de apoio ao uso da bicicleta também podem ajudar os colaboradores a perderem o medo desse deslocamento.
- Redução de engarrafamentos
O horário de pico no trânsito das cidades está justamente relacionado com os horários de entrada e saída do trabalho. Além disso, existem concentrações maiores de empresas em determinados espaços das cidades. Isso significa mais engarrafamento nesses horários e locais.
Os modos ativos, as caronas, o fretamento de transporte, o escalonamento de jornadas de trabalho e o incentivo ao deslocamento fora do horário de pico significam maior eficiência para o colaborador e diminuição do trânsito no entorno do empreendimento. O home office total ou parcial também auxilia na redução dos deslocamentos: menos ruídos, menos poluição e menos estresse no trânsito levam a ambientes de trabalho mais saudáveis.
- Aumento da equidade
Comecei o texto falando que os problemas de deslocamento não são iguais para todas as pessoas. Quem mora mais longe e usa transporte público, tende a gastar mais tempo no trânsito e tem mais desconfortos. Pessoas com deficiência e mobilidade reduzida encontram mais barreiras nos seus deslocamentos.
O planejamento da mobilidade corporativa deve ter uma sensibilidade específica para as partes mais vulneráveis em seu corpo de colaboradores, identificando as desigualdades presentes dentro da própria equipe para promover medidas de inclusão e acessibilidade para elas.
O papel das organizações na sustentabilidade
Cada vez mais, as companhias entendem o impacto dos empreendimentos nas cidades e o compartilhamento de responsabilidades entre poderes público e privado. É claro que muitas medidas relacionadas à mobilidade urbana são de responsabilidade do poder público, mas esse artigo já ajuda a perceber o papel que ações feitas pelas empresas podem ter para o benefício de seus colaboradores e para a cultura da organização. A expectativa é conseguir reter mais talentos nas empresas, criar ambientes de trabalho mais saudáveis e contribuir para a sustentabilidade das cidades.
A Mosaice oferece o serviço de consultoria para elaboração de Plano de Mobilidade Corporativa Inclusiva, que oferece uma abordagem abrangente e sensível para promover a equidade no acesso ao transporte para o trabalho. Ao considerar as necessidades e desafios específicos enfrentados por diferentes grupos demográficos, ajudamos as empresas a criar soluções que melhorem a qualidade de vida de seus colaboradores e promovam uma cultura organizacional mais inclusiva e acessível.
Entre em contato e marque agende uma consulta!