Corpos em diálogo: inclusão da pessoa com deficiência no ambiente de trabalho

Cada pessoa tem um corpo. É ele que nos conecta ao mundo, nos permite sentir, agir e construir nossa história. No ambiente de trabalho, entretanto, muitas pessoas percebem corpos com deficiência como uma limitação. Essa visão cria barreiras e impede que pessoas com deficiência possam alcançar toda sua potencialidade e contribuir para a organização.

Este artigo busca pensar as possibilidades e desafios da presença da pessoa com deficiência no ambiente de trabalho. Para isso, procuro uma inversão do modo comum de pensar a relação dos corpos com deficiência com outros sem deficiência, para que assim ocorra a verdadeira inclusão.

Deficiência no ambiente de trabalho: possibilidades e desafios

O que acontece quando uma pessoa sem deficiência se depara com uma pessoa com deficiência no ambiente de trabalho? O que esperar deste contato? Poderíamos imaginar, primeiramente, um choque de realidade. Alguém percebe um outro corpo, diferente do seu! Um corpo que pode não enxergar, não andar, não falar como os demais.

Sinto, progressivamente, na minha experiência como mulher com deficiência, que o contato de um corpo com outro – em que presumo haver uma fricção afetiva entre ambos – muda a gente. Meu corpo te afeta e deixa ser afetado pelo seu. E isso radicaliza a forma como nós dois lidamos com nosso próprio corpo e, consequentemente, pensamos o corpo alheio.

O contato com um corpo com deficiência, e até o contato do meu corpo com um corpo sem deficiência, desloca nossos ossos, pensamentos, percepções. Tratando especificamente do ambiente de trabalho, esse contato entre os corpos altera a dinâmica, a velocidade, as parcerias, as funções.

Ao se deparar com um colega de trabalho com deficiência, você pode perceber que as suas mãos podem dizer, sua cabeça pode agir, suas pernas, pensar. O que quero dizer aqui é que este simples contato inverte o preconceito, inverte a ideia de que todos deveriam ter olhos para enxergar, boca para falar, ouvidos para escutar.

Isso faz com que você deixe de assumir que um corpo possui membros ou órgãos com funções muito bem definidas. Este encontro pode levar ambas as partes a entenderem o que o corpo pode (e o que não pode). Por isso, convido você, querido leitor, a pensar no que sua mão pode fazer: cozinhar, maquiar, desenhar, pintar. Para assim, compreender a potência de cada corpo. 

Essa compreensão apenas acontece se ambas as pessoas, ou o grupo de trabalho, estiver aberto a aprender com o outro, a dizer seus limites e possibilidades, a mensurar as habilidades e competências de cada um para uma atuação mais precisa, justa e eficaz. 

O que é ser uma pessoa com deficiência no ambiente do trabalho?

Ouvi certa vez que ser uma pessoa com deficiência é sempre ser diferente de: diferente de uma pessoa que enxerga bem, de alguém que tem um corpo ereto ou até daquele corpo aparentemente simétrico e perfeito.

O que sei, por meio da minha experiência pessoal e do contato e pesquisa com outras pessoas com deficiência, é que estar em um corpo com deficiência envolve um deslocamento fundamental. E por isso, sim, concordo com o que disse esta amiga, também com deficiência, sobre ser diferente de, pois ser uma pessoa com deficiência tem relação com um deslocamento pela diferença.

Não andar, não ouvir, não enxergar, coloca cada um de nós em um lugar muito particular. E não é possível mensurar uma experiência comum entre todas as pessoas com deficiência, ainda que a deficiência seja similar.

No meu caso, sinto, dia após dia, que ser uma pessoa com baixa visão fez com que eu me ligasse aos detalhes, às miudezas da vida e às coisas mais profundas também. Fez com que eu me apegasse ao pouco do que eu consigo enxergar e deixasse ir toda a imensidão daquilo que eu não consigo ver.

No ambiente de trabalho, a diferença que marca os corpos com deficiência é ainda um elemento determinante. Enquanto uma pessoa com baixa visão, afirmo que ser uma pessoa com deficiência no trabalho envolve um deslocamento original que gera outros deslocamentos maiores. Isto é, uma diferença corporal primeira provoca mudanças nas relações, nas funções, nas possíveis designações. Muda também a forma como os colegas sem deficiência percebem inicialmente seu corpo sem lesão, aquilo que pode e não pode. 

Minha jornada como pessoa com deficiência nos ambientes de trabalho

Lembro do meu primeiro estágio em um órgão público. Havia ali um assessor responsável pela designação de funções aos estagiários. Ele era uma pessoa muito acessível, contudo, quem designava de fato as funções aos estagiários era outra assessora. Ela simplesmente não me passava nenhuma função intelectual. Só um tal de preencher dados pessoais de documentos e um leva-e-traz de papéis. Infelizmente, por eu ser uma pessoa muito jovem naquela época, não soube me posicionar. Isto também acontece muito no ambiente de trabalho corporativo. 

Mais tarde, em uma empresa privada, aconteceram situações parecidas. Contudo, dessa vez me posicionei. Soube demonstrar minha competência e, em um cenário que era difícil inicialmente pela falta de acessibilidade, se alterou mais a frente. 

Nos primeiros meses, as funções que eram impraticáveis na minha condição de baixa visão, devido à ausência de acessibilidade, eram designadas a outros funcionários. Assim, pedi aos colegas que me passassem informações sobre aquelas atividades que eu ainda não tinha acesso para ir aprendendo sobre o trabalho.

Esta troca foi fundamental para um melhor trabalho em equipe, ficando evidente que todos ali compartilhavam suas habilidades e dificuldades. 

É claro que nem sempre é fácil tomar essa iniciativa. Com efeito, também é papel dos demais colegas acolherem este novo funcionário que chega, pois este é um ambiente inteiramente novo para um corpo que nem sempre tem as acessibilidades supridas pela empresa. 

O ideal é uma conversa sincera em busca de entender quais as necessidades da pessoa com deficiência. Este diálogo implica uma compreensão das competências dos funcionários com ou sem deficiência para, deste modo, qualificar o trabalho em equipe. Sinto que, muitas vezes, a presença de uma pessoa com deficiência pode alterar o ritmo e as posições em um ambiente corporativo.

Após este primeiro passo, ocorrem mudanças no próprio trabalho das pessoas sem deficiência. Afinal, a presença de pessoas com deficiência nas empresas pode alterar o modo de pensar as funções do corpo e, consequentemente, as competências e expertises no trabalho. 

A princípio pode ser que haja resistência, tanto para um corpo com lesão que se encontra em um ambiente desconhecido, quanto para um corpo sem deficiência. À empresa cabe repensar e reelaborar o modo como organizam e realizam suas atividades para acomodar os corpos diversos que chegam. E sabemos, todos nós, com ou sem deficiência, que esta tarefa é um desafio – que pode gerar grandes avanços por meio da escuta e do diálogo.

Um modo de construir um ambiente de trabalho mais plural e inclusivo é acionar a equipe da Mosaice. A partir de um processo de consultoria, as empresas podem ter acesso aos planos de ação personalizados, acompanhamento e orientação para melhor organização, a fim de promover a inovação e a diversidade no ambiente de trabalho. Dessa forma, cada empresa poderá receber uma atuação contínua e particular para suas necessidades e nicho, realizada por especialistas altamente qualificados. 

Como realizar a verdadeira inclusão de pessoas com deficiência?

A verdadeira inclusão está na atitude de aceitação, um aceitar que faz com que o empregador e os colaboradores entendam que o modo de viver o próprio corpo é sempre diverso, pois nenhum corpo se equivale ao outro. Esta aceitação é um dever de todos. E não pensem que é uma dificuldade apenas para as pessoas sem deficiência: é um entrave para todos nós que incorporamos uma ideia funcional e produtivista de nossos corpos. 

Talvez você leia este texto como um ideal ou até mesmo uma certa romantização. Sei, é claro, e vivo na pele a dificuldade de lidar e aceitar tantos corpos como o meu. Contudo, acredito que todos nós temos dificuldades e precisamos de auxílio em muitas atividades, ainda que de modo diferente de uma pessoa com deficiência. Talvez você não saiba cozinhar ou não saiba consertar um computador. E assim necessita de outra pessoa para auxiliá-lo nessas atividades. 

A verdadeira inclusão está neste modo de pensar o corpo e o espaço que ele ocupa. E quando se busca a alteração de uma percepção produtivista do corpo para uma outra mais inclusiva, empresários, gestores, diretores de RH, lideranças podem implementar uma série de propostas, tais como: 

  1. Políticas de cotas para inserção da pessoa com deficiência no mercado de trabalho. Esta política já existe em nosso país, regulada pela Lei 8.213/1991, que determina que as empresas com 100 ou mais empregados reservem vagas para pessoas com deficiência. 
  1.  Garantia de acessibilidade, que é o primeiro passo, após a contratação, para que uma pessoa com deficiência, possa realizar seu trabalho em igualdade de condições com os demais;
  1. Políticas de diversidade e inclusão estabelecidas pelas empresas, através de palestras, workshops e minicursos, fomentando diálogo entre funcionários de diferentes setores e hierarquias.

Por fim, querido leitor, espero que este texto o encoraje a também praticar a inversão dos modos comuns de pensar o corpo, ou seja, que ele seja visto por outra perspectiva que não seja apenas a da funcionalidade e produtividade.

A Mosaice atua para transformar a cultura organizacional das empresas e pode te ajudar nessa jornada. A partir das demandas específicas da sua empresa é possível traçar uma estratégia personalizada para a promoção de políticas que garantam a inclusão de pessoas com deficiência. Por mais difícil que possa ser, é preciso experimentar as possibilidades dos corpos e entender as possibilidade alternativas de vida. 

Consultora e palestrante
Gabriela é uma mulher com deficiência graduada em Direito pela PUC-Minas (2015). Ela tem Mestrado e é Doutoranda em Direito pela UFMG (2023-2027). Gabriela tem atuação social e pesquisa na área de gênero e deficiência. Atualmente vinculada à pesquisa na área de filosofia, teatro e esquizoanálise, com enfoque na temática do corpo da mulher com deficiência e sobre o debate de que a esse corpo nada falta.