Dia da Luta Antimanicomial: os tratamentos, seus destinos e a construção de uma sociedade mais inclusiva

O mês de maio traz consigo uma importante data de celebração da diferença, em que pipocam atos de luta pela memória e pelos direitos humanos: essa data é o 18 de maio, Dia da Luta Antimanicomial.

Um movimento denso e amplo de resistência democrática, de cultivo do fazer parte na malha cidadã e de compromisso com a história, ao evidenciar os caminhos pelos quais já passamos e que persistem no que diz respeito à psiquiatria, às psicologias, à psicanálise, às terapias, aos tratamentos. No que diz respeito à escuta das diferenças.

O Dia da Luta Antimanicomial surgiu no Brasil em 1987, durante o II Congresso Nacional de Trabalhadores da Saúde Mental, em Bauru (São Paulo). O movimento criticava as condições desumanas dos manicômios e defendia a substituição desses espaços por serviços comunitários de saúde mental. Essa proposta foi reforçada pela Lei 10.216, de 2001, que garantiu uma série de direitos às pessoas com transtornos mentais e um modelo de assistência mais humanizado e inclusivo.

O movimento antimanicomial, através de seus desfiles – e esta é uma palavra importante e precisa – coloca em cena a rebeldia, a indignação, a urgência da mudança. Carrega ainda nos corpos presentes, que dançam a resistência e a luta, “a beleza de ser o que se é”, as alegrias e as invenções de tanta gente a quem é negado espaço para existir.

É um momento tão importante quanto relembrar o golpe de 1º de abril de 1964, tão intenso quanto celebrar a diversidade na maravilhosa festa de junho das paradas LGBTQIAP+. É uma destas datas em que os afetos ficam mexidos.

A urgência de humanizar a clínica e os tratamentos psíquicos

Tratamento. A raíz que nos trouxe essa palavra, trahere, era aplicada no latim no sentido de puxar, arrastar, de manipular algo: sobretudo, no sentido de tomar algo em suas mãos. Essa é uma base ética interessante para pensar clinicamente e politicamente os espaços e trabalhos de tratamento.

Nesse sentido, a análise dos acontecimentos nacionais é prova da urgência de (re)conhecer os graves equívocos da história da clínica. Acumulam-se relatos de racismo científico, de repressão, de moralismo e patologização, de práticas colonialistas e elitistas, e até de colaboração com regimes ditatoriais e envolvimento dos trabalhadores clínicos na tortura operada pelo Estado.

Esse levantamento do passado nos auxilia a notar como insistimos em repetir hoje erros semelhantes: os crimes dos manicômios são atualizados nas comunidades terapêuticas, a ultra medicalização desprovida de escuta vem substituir o aprisionamento e a violência das torturas volta a ser utilizada.

Acrescentaria ainda os inúmeros relatos e campanhas de misoginia, LGBTfobias, racismo, capacitismo e outras que fundamentaram instituições e elucubrações teóricas sem embasamento. Afinal, alguns anos atrás, afirmava-se que uma pessoa LGBT não estaria apta a ocupar o lugar de um(a) psicanalista; associavam-se diagnósticos superficiais e patologizantes às pessoas trans; repetiam-se ladainhas sobre as mulheres e sobre as mães de pessoas autistas. Isso sem falar na invisibilização persistente de pessoas com deficiências.

Não é à toa que o tema dos tratamentos e dos adoecimentos tem enorme relevância entre os assuntos contemporâneos. E isso não está só nos debates dos especialistas, mas circula nas famílias, nos espaços de lazer, em escolas e ambientes de trabalho: a questão dos tratamentos psíquicos está na boca do povo.

Liberdade e escuta no ambiente de trabalho

Os espaços de trabalho e ambientes organizacionais seguem a mesma dinâmica e, por vezes, refletem as violências, silenciamentos e invisibilizações que notamos na sociedade. Quanto menos nos atentarmos a essas dinâmicas, mais teremos trabalhadores em situações de adoecimento.

É sempre tempo de reivindicar liberdade. Nessa esteira, circulam novos termos como a neurodiversidade, os espectros e o direito à diferença. Quando uma empresa faz um movimento nessa direção, quando é feito um convite a uma equipe como a da Mosaice, que possa escutar os vários pontos de vista, impasses e tensões, para elaborar diagnósticos, abre-se uma janela para que as pessoas se impliquem na transformação do espaço de trabalho. 

Por vezes, o sofrimento é resultado dos processos privados de cada sujeito, mas é sempre importante salientar que o espaço de trabalho também pode ser a causa de transtornos e – por que não? – um local para nos implicarmos na escuta das dificuldades e da maneira singular de cada sujeito existir.

Lutar pelo fim dos manicômios (e suas variações) é também afirmar essa ideia, em que só há trabalho se for viável a escuta do sujeito que sofre. Portanto, num gesto de celebração da luta, lembremos as belíssimas obras que deslocaram e seguem deslocando a exigência ética em torno do tratamento psíquico, no realce da singularidade em que o sujeito dá conta de uma posição, escreve sua história e, como artista, cria sua vida. 

Lembremos Lima Barreto, Nise da Silveira, Arthur Bispo do Rosário, Lélia González, Neusa Santos Souza, Lygia Clark, Zé Celso Martinez e a versátil sambista e clínica Dona Ivone Lara. Lembremos de cada clínico que cultivou mais sensibilidade e escuta nos espaços de tratamento e de cada sujeito que teve sua voz calada, sua existência interrompida e suas invenções negadas.

O presente é o momento de desfrutar da leitura que fazemos da passagem do tempo. Tempo de escovar a história a contrapelo, como sugeria Walter Benjamin, de olhar para aquilo que o coro dos contentes tenta esconder, para deformar as concepções de “loucura” ao nosso redor e fazer parte das mudanças operadas nos destinos dos tratamentos.

Na Mosaice, atuamos com o intuito de promover ambientes de trabalho mais acolhedores. Para isso, abordaremos as formas de sofrimento psíquico e a importância de as empresas cuidarem do aspecto psíquico de sua equipe.

Consultor e palestrante
Gabriel é psicanalista e artista lgbtqiap+ com percurso em múltiplas linguagens do campo das artes – entre elas teatro, dança, música, escrita, desenho. Atua como artista e psicanalista em Belo Horizonte (Minas Gerais – Brasil).